7 de dezembro de 2018
* Por Fábio Medina Osório
Sabe-se que o conceito de “compliance” remete a categorias amplas e a uma transversalidade disciplinar. Pode-se falar em “compliance multissetorial”, na medida em que essa expressão traduz, em essência, a necessidade de um ajuste do setor, seja público ou privado, ao ambiente normativo complexo, a partir de uma autorregulação organizacional.
Os universos normativos estão cada vez mais sofisticados, pois sugerem integrações nacionais, subnacionais, regionais e internacionais, um autêntico emaranhado normativo a exigir tecnologia para acompanhamento e atualização. Há que se combinar o detalhe e o principialismo, a simplicidade e a sofisticação. A finalidade última de um “compliance” é o ajuste dos comportamentos às regras essenciais a determinadas áreas da organização.
Um “compliance” notadamente transdisciplinar é o dirigido anticorrupção, que afeta muitas áreas de qualquer empresa ou entidade. Curioso constatar que a maioria –senão a totalidade– das grandes empresas flagradas na Operação Lava Jato (tida como a maior operação anticorrupção do mundo) possuía programas de “compliance” em andamento, alguns com forte aparência de robustez.
Muitas delas financiavam eventos e seminários com agentes públicos no Brasil e no exterior, enquanto entabulavam contatos espúrios para confecção de normativas em seu benefício junto aos Poderes constituídos. O “compliance” que possuíam era de “fachada”, tal como definido pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) –ou seja, aquela espécie de programa superficial, mascarado, que não é aplicado na cultura corporativa da empresa.
Será que esse ambiente mudou ou ainda vivemos um espaço de “compliance” de fachada em inúmeras empresas? Penso que o grande teste ocorrerá nesses novos tempos de alta fiscalização e combate à corrupção pública e empresarial que passaremos a vivenciar, a partir do momento em que esta agenda não é apenas do Ministério Público ou das autoridades administrativas independentes, mas também do próprio Poder Executivo, na versão do futuro ministro Sergio Moro.
A responsabilidade das empresas por organização defeituosa de suas estruturas pode ser aferida em razão da impunidade de quem pratica ilícitos em suas organizações, e isso se torna possível numa perspectiva de múltiplos fatores.
Para que as empresas possam ter imunidade frente à responsabilidade objetiva por atos de terceiros, é necessário contar com uma estrutura de “compliance” dotada de independência, autonomia contratual, capacidade operacional e autoridade para imposição de um programa efetivo de integridade.
É imperioso que a empresa esteja apta a fiscalizar o cumprimento permanente das normativas adequadas, com canais de denúncias ajustados, notadamente voltados à proteção dos denunciantes de boa-fé. Nenhuma organização está imune a ato de corrupção praticado por algum funcionário ou fornecedor. O problema é a lacuna da reação ou dos mecanismos de coerção e fiscalização.
O avanço maior da cultura do “compliance” será na fiscalização dos concorrentes e do aperfeiçoamento do mercado. Esse será um passo decisivo das empresas. O verdadeiro “compliance” pressupõe não apenas a checagem interna, mas do próprio mercado, dos ambientes organizacionais como um todo, eliminando-se cartéis e práticas espúrias.
Se uma empresa investe pesado em seu “compliance” interno, é decorrência lógica que fiscalizará seus concorrentes, ou apostará em entidades associativas que façam esse trabalho, pois todo um setor pressupõe ligações recíprocas.
Nenhuma empresa suportará a concorrência desleal, muito menos práticas espúrias de seus pares, na medida em que o contágio de um ato ilícito se espalha como um vírus por todo um segmento, podendo manchá-lo perante a comunidade internacional.
* Fábio Medina Osório é advogado e ex-ministro-chefe da Advocacia-Geral da União (mai/set. 2016, governo Temer); Folha de S.Paulo, 3/12/18
Voltar